terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Motoristas

Vivendo na estrada.
No giro das rodas, o transcorrer da vida.
Em cada curva, uma incerteza. 
Mesmo percorrendo alguns caminhos repetidas vezes, há sempre a possibilidade do inusitado: a atenção é uma constante.
Junto às cargas, o transporte de sentimentos.
Ao longo dos trajetos, infinitas conversas com o pensamento, em vastos períodos de solidão. Nestes, a possibilidade de reflexão sobre atitudes tomadas ao longo da vida.
Sons se manifestam de várias maneiras o tempo todo: motor, ruído, buzina, música, outros veículos...
Na correria do transporte, muitas refeições rápidas. Nem sempre se faz uma parada, e a alimentação acontece em movimento mesmo.
Nas paradas, cuidados especiais e variados: segurança, alimentação, banho, pausa ligeira. Normalmente, nos pontos mais selecionados, há um custo adicional a se contabilizar: algo bom, e de graça, nem sempre é possível. E aos melhores locais, a explícita necessidade de se consumir produtos ou serviços, o que pode onerar bastante e não valer a pena.
Sono e cansaço ficam em segundo plano quando o valor da empreitada for baixo: horas a mais para compensar o trabalho.
No descanso, uma economia a mais, com as devidas adaptações. É o costume.
Para dormir, pousada ou hotel são uma raridade. O que existe é uma acomodação, nem sempre confortável, na boleia.
Festa da família: algo singular e esporádico. Nem tem como. E em muitas delas, os contratempos ao longo do caminho lhes impedem de voltar a casa para participar, antecipadamente, de algumas destas raras oportunidades.
Filhos e esposas acabam se virando para resolver seus problemas, desde os mais básicos, e até mesmo se acostumam com a distância e ausência.
Muitas vezes, o emocional aumenta o peso das cargas: saudade, dificuldade financeira, insegurança, distrato nas paradas.
Na balança da vida, a avaliação das vantagens e desvantagens é algo recorrentemente inconsciente. Sempre há devaneios associados ao amor à profissão em contraposição ao desejo de abandono da mesma.
Fatores como falta de novas alternativas, dificuldade financeira e necessidade de trabalhar são alguns dos ingredientes suficientes para esmagar saudade, distância e convívio da família. E, para muitos, esse drama vira um circulo vicioso.
Na parte externa do veículo, distribuídas por todos os cantos, em especial no para-choque, há sempre alguma mensagem marcante de, variada e muitas vezes inusitada característica: romântica, religiosa, filosófica, engraçada. Trata-se de um hábito que surgiu na Argentina na década de 50, inicialmente nos ônibus, e que logo virou moda e tomou conta das estradas do Brasil.
Na manifestação da fé, especialmente dos cristãos, a crença e devoção em São Cristóvão: padroeiro dos motoristas e peregrinos.
Em cada coração, uma crença. E a certeza de que, embora solitários fisicamente, há sempre uma companhia espiritual que os impulsiona e lhes dá energia o bastante para suportar, diariamente, uma vida difícil, árdua e muito perigosa.
Que o Santo guie a todos, pelas estradas desta vida.

Nenhum comentário:

Caminhada

Busca por Deus, através da Eucaristia. Na procura incessante pelo sagrado,  existe um coração, exposto de misérias humanas, fadado às quedas...